Não gosto da Páscoa.
E não é coisa de agora, acho que desde que me lembro, nunca gostei da Páscoa. Não gosto dos ovos de chocolate. Não gosto do pão-de-ló (vá, se for daquele com creme de ovos, já gosto). Não sou grande apreciadora de amêndoas, as únicas de que gosto, realmente, são as amêndoas torradas. E não gosto da seca que vou apanhar, durante o dia de amanhã, em casa do meu avô.
Começa pela comida, não aprecio cabrito. Até é assado em forno de lenha, nhónhónhó, e toda a gente diz que é maravilhoso, mas eu não gosto, pronto. Depois, vem aquele montão de doces, dos quais não aprecio metade. Como não pode faltar, ainda temos que ir a casa de não sei quem, e mais não sei quem, porque, pelo que dizem, faz tudo parte da família. E lá vou eu apanhar mais seca, a ouvir conversas de homens, sobre futebol, invariavelmente, porque me recuso a enfiar-me na cozinha com as mulheres (o que vale é que o Porto ganhou 4-1, sempre torna a conversa mais agradável). E não pensem que esta história de ir a casa de outras pessoas se fica pela conversa, não. Confesso que nunca percebi qual é a ideia, mas ainda temos que ficar para receber o compasso em 3 casas, pelo menos.
Sobre o compasso, desde há alguns anos que já deixei sequer de fazer de conta que beijo a cruz, e que me importo minimamente com aquilo, ponho-me logo de parte. Se nada daquilo me diz rigorosamente nada, porque havia eu de fazer de conta que partilhava aquela fé? Chega de hipocrisia.
Não sei se isto é tradição em todo o lado, mas na terra do meu avô há a tradição de esconder sempre uma notinha na mesa, para os senhores do compasso. E é a palhaçada do costume, eles a remexerem as amêndoas todas a ver se encontram a dita nota (muito higiénico, diga-se, mas também depois de 45632 pessoas beijarem a mesma cruz, nada supera). Esta história da nota, soa-me ainda mais ridícula, quando são pessoas com reformas de 200 euros, que nem sequer têm dinheiro para ir buscar os medicamentos à farmácia, mas que, aos senhores do compasso, têm que dar sempre uma notinha. E de preferência, com a mesa cheia de comida, nem que durante o resto do mês tenham que comer os restos desse dia porque não têm dinheiro para mais. Imagino que o que vai na cabeça dessas pessoas é que estão a comprar o seu lugarzinho no céu.
Eu cá, prefiro apreciar o meu lugarzinho na terra, que esse é garantido que existe. De preferência, com o meu pacotinho de amêndoas torradas, que já vai a meio!